Sarampo, previna-se.
Com três mortes confirmadas por causa da infecção por sarampo, o vírus começa a se espalhar do Norte para outras regiões brasileiras
Lais Modelli - De São Paulo para a BBC News Brasil
17 jul 2018 18h28 atualizado às 18h58
Neste mês, o Ministério da Saúde alerta para que se redobre a atenção contra o sarampo por causa do fim da Copa do Mundo na Rússia e a volta de brasileiros que viajaram para assistir aos jogos, uma vez que a Europa teve 400% de aumento dos casos da doença em 2018 em comparação com o ano passado.
A doença pode ser transmitida por contato com secreções expelidas ao tossir, espirrar, falar ou pelo ar, estando no mesmo ambiente que uma pessoa infectada
Foto: Getty Images / BBC News Brasil
No mundo todo, o número de casos registrados aumentou em 30% no ano passado. Foram 173.330, 41 mil a mais do que em 2016. Destes, 775 casos foram na região das Américas.
Segundo o informe do Ministério da Saúde, é necessário ter atenção com sintomas para indivíduos "com história de viagem ao exterior nos últimos 30 dias ou que tenha tido contato, no mesmo período, com alguém que viajou ao exterior".
Essa orientação, na realidade, é anterior à Copa do Mundo e diz respeito à preocupação com os casos importados de sarampo, uma vez que os casos autóctones, em que a doença é contraída com circulação do vírus dentro do país, não ocorriam desde 2000.
Devem ser vacinadas todas as pessoas - com exceção de gestantes e pessoas com imunidade afetada - entre os seis meses de vida e os 49 anos que nunca tenham se vacinado contra o sarampo ou que não sabem se foram ou não imunizadas.
Quanto aos casos suspeitos, o ministério pede atenção para os seguintes sintomas: febre, conjuntivite, manchas vermelhas na pele, tosse e coriza. Nos quatro dias após o início dos sintomas, essas pessoas devem ser isoladas para evitar contaminar as pessoas ao redor.
"Casos suspeitos devem ser imediatamente notificados às autoridades de saúde, pois é possível tomar medidas para evitar a disseminação da doença para as pessoas que convivem com o doente", explica o infectologista Bruno Oliveira, médico do Hospital Materno Infantil de Brasília.
A BBC News Brasil ouviu autoridades sobre transmissão do vírus do sarampo e imunização, e responde às principais dúvidas sobre o assunto.
O Brasil está com surto de sarampo?
Sim, segundo documento emitido em março pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).
O surto no Brasil, por enquanto, se concentra nos Estados Amazonas e Roraima, mas o vírus já começou a se espalhar para outras regiões: no Rio de Janeiro, 2 casos já foram confirmados e outros 14 são investigados.
Sete casos já foram confirmados no Rio Grande do Sul, além de 2 casos no Mato Grosso e 1 em São Paulo. No total, são 995 casos de sarampo registrados no Brasil entre 1º de janeiro e 23 de maio, sendo 475 confirmados, com 3 mortes.
O sarampo era considerado erradicado nas Américas desde 2016, segundo certificado emitido pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Como prevenir o sarampo?
Existem medidas de prevenção contra o sarampo, mas a imunização por meio das vacinas é a única medida eficaz. Por isso, o Ministério da Saúde busca vacinar 95% da população de 6 meses a 49 anos.
Além das vacinas, as pessoas podem adotar demais medidas, como: higienizar as mãos com água e sabão antes das refeições, antes de tocar os olhos, a boca e o nariz, assim como após tossir, espirrar, ir ao banheiro ou cumprimentar pessoas. Ao tossir e espirrar, deve-se proteger a boca e o nariz com lenços descartáveis e nunca espirrar nas mãos; caso não tenha um lenço descartável, recomenda-se espirrar no antebraço, próximo ao cotovelo. Evitar aglomerações e manter os ambientes ventilados são outras medidas de prevenção contra a transmissão do sarampo.
A partir dos 6 meses, os bebês podem tomar a primeira dose da vacina contra o sarampo
Foto: Getty Images / BBC News Brasil
Sarampo mata?
De acordo com Oliveira, sim. "O sarampo pode se apresentar de forma extremamente grave, principalmente no que diz respeito aos sistemas respiratório e nervoso central, podendo causar a morte."
O sarampo é uma doença infecciosa grave, extremamente contagiosa, que pode afetar qualquer pessoa, de qualquer idade, que não tenha anticorpos contra a doença.
Entre as várias complicações que o vírus pode causar estão a pneumonia e as alterações neurológicas, como convulsões, confusão mental, alucinações, fraqueza e perda de sensibilidade. Essas complicações costumam ser mais severas em crianças desnutridas e menores de um ano de idade.
A doença também pode deixar sequelas graves para o resto da vida. "As mais comuns são as neurológicas e podem ocorrer durante a doença ou até vários anos após a infecção", informa o médico infectologista.
Qual o nome da vacina a tomar contra sarampo?
São duas as vacinas contra sarampo: a tríplice viral, que também protege contra os vírus da rubéola e da caxumba, e a tetravalente viral, que inclui a imunização contra um quarto vírus, a varicela, conhecida como catapora.
Onde posso encontrar a vacina?
Tanto a vacina tríplice viral como a tetravalente viral estão disponíveis o ano todo nas Unidades Básicas de Saúde, de graça e para toda a população. Também há a possibilidade de tomar essas vacinas em clínicas particulares, mas não de maneira gratuita. Tanto na rede privada como no SUS, os componentes das vacinas contra o sarampo são os mesmos.
Posso pegar sarampo por meio da vacinação?
A pesquisadora da FioCruz explica que as vacinas contra sarampo são feitas a partir do vírus enfraquecido e, por isso, o risco do vacinado ser infectado pela vacinação não passa de 2%.
"Esta hipótese de contrair o sarampo na vacinação é pouco provável, pois os estudos com a vacina mostraram soroconversão (produção de anticorpos) de 98% a 100% dos vacinados", afirma Noronha.
A medida mais eficaz contra o sarampo é a vacinação; grávidas e pessoas com imunidade baixa não podem se vacinar
Foto: Getty Images / BBC News Brasil
Grávidas podem tomar vacina contra sarampo?
Não. "Gestantes não devem receber a vacina e há indicação de se evitar a gravidez por pelo menos 28 dias após a vacinação porque ocorre o risco teórico de efeitos maléficos para o feto, apesar desse risco nunca ter sido provado na prática", afirma o médico Oliveira. A dica para as gestantes que nunca tomaram as vacinas contra o sarampo é se vacinarem no pós-parto, para proteger o recém-nascido indiretamente, por meio da amamentação, e evitarem contrair o vírus.
Bebês podem tomar vacina contra sarampo?
Sim, mas somente os bebês a partir dos seis meses de vida podem ser vacinados contra o sarampo.
Tomei uma dose na infância. Estou protegido?
Não. "Quem não tomou duas doses a partir dos 12 meses de vida não está adequadamente protegido, ainda está com algum nível de suscetibilidade. Em caso de dúvidas se está ou não totalmente protegido, o melhor é revacinar-se", afirma a presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Isabella Ballalai.
Todos podem se vacinar?
Não. Dois grupos não devem tomar a vacina tríplice viral sem prescrição médica: grávidas, conforme explicado acima, e pessoas com a imunidade baixa.
"A vacina contra o sarampo não é recomendada para indivíduos com o sistema imunológico comprometido por alguma doença ou medicamento, que podem desenvolver o sarampo a partir do vírus vacinal, uma vez que a vacina é elaborada a partir de vírus enfraquecidos", completa Ballalai.
Qual a idade correta para tomar vacina?
A tríplice viral deve ser tomada aos 12 meses de vida. Já a tetravalente viral deve ser tomada aos 15 meses.
"Pelo Programa Nacional de Imunizações, os adultos até os 29 anos de idade deverão receber duas doses com a vacina tríplice viral. Pessoas de 30 a 49 anos de idade devem receber uma dose", explica a epidemiologista Tatiana Noronha, pesquisadora da unidade Bio-Manguinhos, da FioCruz, uma das produtoras da vacina tríplice viral.
É proibido em alguma idade tomar vacina para sarampo?
Sim, recém-nascidos e bebês abaixo dos seis meses de vida não devem tomar nenhuma das vacinas contra o vírus.
Com a exceção acima, caso não tenha sido imunizada na idade correta, qualquer pessoa poderá tomar a tríplice viral, não há limite de idade, apesar do alerta do Ministério da Saúde ser até os 49 anos. A explicação para o limite anunciado pelo ministério é que pessoas com 50 anos ou mais já podem ter entrado em contato com o vírus e, por isso, estarem imunes ao sarampo.
"Uma dose poderá ser recomendada aos idosos, mas fica a critério médico, levando-se em consideração o histórico do paciente", explica Noronha.
Já tive sarampo. Preciso me vacinar?
Pega-se o sarampo apenas uma vez na vida: quem já foi infectado pelo vírus, nunca mais terá a doença.
"A infecção por sarampo gera proteção para a vida inteira", explica Ballalai. "Mas, antes de tomar a decisão de não se vacinar, é preciso ter certeza absoluta de que teve sarampo, porque outras doenças têm sintomas bastante parecidos. Mais uma vez: em caso de dúvida, o melhor é se vacinar, uma vez que não há qualquer risco de sobrecarga no organismo", alerta a especialista.
A vacina tem efeitos colaterais?
Segundo Ballalai, os efeitos colaterais são raros, mas podem acontecer entre cinco a 21 dias após a vacinação, principalmente na dose da vacina tríplice viral.
"A vacinação pode causar sintomas leves semelhantes ao da doença: febre alta com cinco dias de duração em 5% a 15% dos vacinados; manchas vermelhas no corpo com cerca de dois dias de duração em 5% dos vacinados; gânglios inchados já foram observados em menos de 1% dos vacinados; dor de cabeça, irritabilidade, febre baixa, lacrimejamento e vermelhidão dos olhos também ocorreram em até 4% dos vacinados", destaca a presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações, lembrando que reações locais, como ardência, vermelhidão, dor e nódulos também podem ocorrer por ser uma vacina injetável.
Febre, conjuntivite, manchas vermelhas na pele, tosse e coriza são alguns dos sintomas do sarampo
Foto: Getty Images / BBC News Brasil
Como se transmite o sarampo?
A transmissão do vírus do sarampo pode ocorrer de duas maneiras: direta, de pessoa a pessoa, entrando em contato com secreções expelidas ao tossir, espirrar, falar; e indireta, por meio do ar: como o vírus pode ficar muito tempo suspenso no ar, não é preciso entrar em contato direto com o doente, basta estar no mesmo ambiente que ele para ser infectado.
Existe tratamento para o sarampo?
Segundo Oliveira, não há tratamento especifico contra o vírus do sarampo. "Há apenas tratamento de suporte para as sequelas que a doença pode deixar", afirma.
O médico explica que os doentes devem ficar em repouso, ter uma alimentação balanceada, ingerir muito líquido e evitar aglomerações e ambientes fechados para não infectar outras pessoas.
Por que o sarampo voltou?
Porque o vírus ainda circula em grande quantidade em várias regiões da Europa e da América, e voltou a circular no Brasil com as migrações e as viagens internacionais. Ou seja, voltamos a importar o vírus.
Além de voltar a circular no Brasil, o vírus se aproveitou na baixa imunização dos brasileiros, que deixaram de se vacinar e vacinar seus filhos nos últimos anos.
Segundo dados do Ministério da Saúde, a cobertura vacinal no Brasil da tríplice viral chegou aos 100% de 2004 a 2011, mas começou a decair desde então.
Segundo dados do Datasus analisados pela BBC News Brasil, a segunda dose da vacina contra o sarampo não bate a meta de vacinação, de 95%, desde 2012. Em 2016, apenas 76,74% das crianças com 15 meses de vida foram imunizadas.
Por que algumas pessoas pararam de tomar vacina?
Em entrevista à BBC News Brasil, a coordenadora do Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde Carla Domingues garantiu que não há explicação clara para a diminuição da cobertura vacinal da tríplice viral nos últimos anos no Brasil, uma vez que não houve redução da oferta ou desabastecimento da vacina no país.
Para a coordenadora, a explicação pode estar em um possível esquecimento das pessoas sobre algumas doenças, antes frequentes no país, mas hoje controladas e menos visíveis.
"A população de adultos de hoje precisa lembrar que sarampo e poliomielite matam. E se não matarem, deixarão sequelas graves para o resto da vida, como a paralisia infantil, a surdez, a cegueira, problemas neurológicos, etc.", afirmou Domingues.